Nascente
[por ocasião dos meus 30 anos]
Não lembro de todos os meus nascimentos. Acho que primeiro eu nasci pra vida, estendendo e retraindo entre golpes de desespero e embalos de acalanto.
Nasci do fundo,
com uma força lenta
de causa oculta.
E no acalanto nasci de novo, pele na pele, pro outro, pro meu nome.
Pelas mãos e joelhos no chão duro, nasci pro meu corpo e continuei nascendo.
Em seguida, pode ter sido um nascimento de nascimentos de muitos outros em mim. Porque os outros nascem em nossos sonhos e não têm umbigo (mas isso é outra história). Nasceu minha mãe, meu pai e depois meus irmãos e por isso nasci mais algumas vezes.
Porque: quando terminamos de nascer, de vir ao mundo?
Com uma força lenta, do fundo,
atravessei camadas
e camadas que não me contiveram.
Depois, foram tantos. Nasci em música, em palavras, em amigos, romances, estudos, em fé. Quanto mais eu nascia, mais queria nascer.
Do fundo,
com uma força lenta,
atravessando camadas de camadas
de rocha, de areia.
Nascer pela dor, para o tempo, nascer pedra, definido, ou nascer para o alívio, para a pauta em branco, para os espaços vazios.
Para o alívio nasci para minha esposa que me acompanha.
Do fundo,
com uma força lenta,
atravessando camadas geológicas
para derramar na superfície.
“Nascer leva tempo”, li na vitrine da livraria. Leva tempo e requer espaço. São necessários espaços vazios, diferenças de pressão, para que a vida se expanda, para que se crie.
A vida não nasce pronta. Há que se criar espaço, há que se atravessar camadas geológicas com essa força lenta de causa oculta, desde o fundo, para irromper na superfície e servir a terra.
15/01/2022